Cheiro de João – por Lucas Mendes

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Se você for no Google e perguntar por óperas brasileiras, entram as novelas da televisão, alguns nomes de cantores e o de João MacDowell, compositor de Tamanduá, a primeira ópera bilíngue, em português e inglês.

Como no repertório operístico não há nada em português – nem a Ópera do Malandro, do Chico Buarque – fiquei intrigado. Várias trechos da ópera vão ser apresentados na próxima semana na Montclair State University e está sendo promovida com ajuda do consulado brasileiro. Um dos recitativos é o Cheiro da Xereca.

Perguntei minha colega Angélica Vieira qual era a interpretação dela. Angélica achou que deve ser alguma coisa “ligada a floresta, não?”.

Achei melhor ligar pro João.

Uma simpatia. Me contou que o nascimento da ópera Tamanduá foi em 2002. Ele tinha cortado o dedo, não podia tocar e estava à beira da morte por tédio na Filadélfia. Influenciado pelo maestro da Filarmônica local, começou a pensar em ópera. Estava em cima da bicicleta e assim, do nada, veio o verso “é tatuê, é, taca a fucar, cadê? tamanduá sabe o que quer comer”.

João teve talento musical precoce. Na escola primária, aprendeu com a professora como as letras eram formiguinhas que subiam e desciam na escala e fez uma conexão que não entendi bem do tamanduá que comia as formiguinhas. Esse processo de criação musical é misterioso. O importante é que, em 2002, o Tamanduá ressurgiu com vigor e voracidade em cima de uma bicicleta na Filadélfia.

Filho de professor pioneiro em Brasília de 58, o menino João cresceu e virou músico. Criou, liderou e foi o vocalista da banda TonTon Macoute que dissolveu pouco antes de explodir no cenário. João passou 12 anos no Rio como produtor musical antes de vir para os Estados Unidos, mas nunca teve uma educação formal clássica. “Fiz um curso aqui, outro ali, nunca tirei diploma”. Em Nova York, onde mora desde 2002, muitos músicos falam bem dele.

João produziu e compôs sob vários pseudônimos – Kau Mcdowell, Jkau, João do Cerrado, João do Sertão, João do Mar, João do Mundo, Joãozinho das Candongas, etc…- , mas nada foi tão ambicioso quanto sua primeira ópera, Tamanduá. Quase sete anos de criação e ainda precisa de alguns retoques, diz ele. Recitativos e árias estão no YouTube com um grupo de cantores, músicos e maestros bem vestidos, alguns com bons currículos.

O Tamanduá está com três horas. Conta a história trágica de um triângulo amoroso entre Carol, uma jornalista americana bipolar (espírito de pássaro), Aruanan, um brasileiro em busca mística do sentido da vida (espírito de tamanduá), e Pedro, um traficante de drogas que vivia em Nova York (espírito de onça), interessado nos prazeres carnais e materiais. Não sei se vai chegar no seu palco. Aviso que termina em tragédia.

João conta que é uma ópera MPB em que ele presta homenagem à musica popular brasileira e a vários compositores, da bossa nova ao forró.

“E o Cheiro da Xereca?”

“É um baião, em homenagem ao Luiz Gonzaga.”

Êta ferro!

Não é o fole da sanfona não

Nem o baque da zabumba, não

É o cheiro da xereca

É o que agita mais.

E se você vem dizer

Que veio aqui pra dançar

eu vou ter que responder

Que vim aqui pra f…

É o cheiro da xereca

o que agita mais.

Não sei. Ópera pornô? Engraçado ver aquelas mulheres com caras tão inocentes e tão bem vestidas no palco cantando o refrão “Pra f… , pra f…”.

“E este cheiro, não deu bode?”

“Deu”, diz João.

Falaram tanto que o João se rendeu as pressões e mudou o texto:

O cheiro da vingança

O cheiro da maldade

O cheiro das meninas

Em plena puberdade

É o cheiro da xoxota

O cheiro da felicidade.

A diplomática mudança de xereca para xoxota não passou pela censura e João fez uma nova versão.

Não é o fole da sanfona não

Nem o baque da zabumba não

É o cheiro de mulé

o que agita mais.

E se você vem dizer

Que veio aqui pra dançar

Vou ter que responder

Que vim aqui me agarrar

Eu quero mesmo é te ver

Eu vim aqui pra pegar

O processo criativo, como disse, é complicado. Será que João vai conseguir levantar US$ 1 milhão para montar a ópera? Ou US$ 500 mil para o DVD? Se você quiser ser investidor na primeira ópera bilíngue em português e inglês, veja e ouça mais Clique no site.

Lucas Mendes é jornalista.

De Nova York para a BBC Brasil

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