O Julgamento

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MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

Nos livros sobre os grandes julgamentos sempre encontramos casos das testemunhas avocadas, ou não comparecerem ou declararem nada saber sobre o réu. Desde Roma antiga, temos o julgamento de Catilina movido por Cicero, grande orador, de inteligência privilegiada e muita erudição.

Cicero usou os dons para condenar Catilina acusando-o de conspiração contra a República, desonestidade e liderança “de uma horda de falidos morais e fanáticos desonestos”. Concluía os discursos com a famosa frase “Até quando abusarás da nossa paciência, Catilina?”.

Quando os senadores se reuniram para o julgamento, Cícero fez a denúncia; mas quando lhe foi pedido que apresentasse testemunhas; alegou que não as tinha e entregou uma maçaroca de supostas provas…

Na modernidade houve um processo na França que teve repercussão mundial, tendo como réu Alfred Dreyfus, capitão do exército francês de origem judaica. Acusado de traição com testemunhos falsos, foi defendido pelo escritor francês Emile Zola em artigos resumidos no livro “Eu acuso”. Dreyfus foi condenado, mas depois anistiado e reabilitado.

Após a derrota do nazismo na Segunda Guerra Mundial, o Tribunal de Nuremberg julgou os hitleristas sobreviventes. Tiveram uma defesa sob pressão jamais vista. Um dos criminosos de guerra, Rudolf Hess, dispensou advogado, afirmando não confiar nele e nem nos depoimentos apresentados. Disse: “Sinto-me perfeitamente bem só”.

No Brasil, temos nos arquivos os Autos da Devassa da Inconfidência Mineira. A condenação de Tiradentes à forca, num julgamento em que o delator, Joaquim Silvério dos Reis, traidor da conjuração mineira, só tinha contra Tiradentes a acusação de “costumadas práticas de convidar gente para o seu partido”, sem comprovar a denúncia.

Agora, reina na atualidade a fraude dos pelegos defendendo-se das maracutaias: “Eu não sabia de nada!”. É uma tática de falsa inocência dos profissionais do oportunismo e da corrupção, para todos os escorregos, malfeitos, crimes, fatos antijurídicos e culpáveis.

Encontramos tal defesa, nos casos de roubo no Ministério da Saúde pelos sanguessugas, na corrupção nos Correios, nas falsificações dos aloprados, nos furtos no Dnit, na associação com doleiros e contraventores, nos altos prejuízos na Petrobras e fundos de pensão, e na compra de apoio parlamentar pelo famoso Mensalão.

O Mensalão teve um julgamento exemplar dos corruptos que atentaram contra as instituições republicanas e a Democracia; foram 37 réus, com 25 condenados e 12 absolvidos.

Os efeitos jurídicos da Ação Penal 470 – nome oficial do Mensalão – receberam o aplauso nacional. Voltou à pauta em abril na odienta declaração de Lula da Silva dizendo que o julgamento foi “80% político e 20% jurídico”. O costumeiro cinismo do chefe do Partido dos Trabalhadores, não apaga suas declarações anteriores de que se sentiu traído, e que demitiu da Casa Civil o coordenador da maracutaia, José Dirceu.

Esta intervenção do pelego da Volkswagen e, de acordo com o livro de Tuma Jr., informante da ditadura militar, sob codinome de “Barba”, não é digna de crédito.

A habilidade do Pelego em enganar restringiu-se apenas aos oportunistas, carreiristas e corruptos usufrutuários do poder, e à seita em que o PT se transformou.

A Ação Penal 470 rastejou desde 2007. No início, a direção do PT subestimou o processo, crendo que não entraria em pauta do Supremo Tribunal Federal, e que as prováveis penas iriam prescrever. Um ministro ligado a Lula procrastinou ao máximo o exame da matéria, até que o presidente do STF, Ayres Brito, soltou a peça para exame do relator, Joaquim Barbosa.

Quando Barbosa apresentou a denúncia, enfrentou uma carreira de obstáculos. No percurso, Lula tentou chantagear o ministro Gilmar Mendes, por envolvimento com Cachoeira; o ensaiado coro lulo-petista cantou um refrão: “as denúncias são falsas para prejudicar o PT e o presidente Lula”; e quando apareceram as provas, mudou-se a cantoria: “Não houve propinas, era “Caixa 2” e acerto de campanhas dos partidos aliados… Mas não teve mais jeito!

A instrução do processo teve fim em 2011. Progrediu com ampla e livre defesa assistida pela televisão, onde se viu e ouviu a oratória e as filigranas jurídicas dos mais caros advogados do País.

Quando os ministros decidiram por absolvições e condenações de cada um dos réus, o pano caiu. E o Brasil, contra a impunidade, aclamou “O Julgamento”.

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