Da Cora Ronai

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Meu amigo Zeca Fonseca me mandou uma mensagem deliciosa e muito engraçada; é cada coisa que acontece nessa cidade…

“Amiga querida, vivi momentos interessantes num ônibus cheio voltando pra casa depois de uma consulta no médico. Um ônibus comum, desses que vemos apinhados de gente e sentimos pena só de olhar, mas esse, felizmente, nem estava tão lotado assim. Eu, que não sou bobo, levei um livro para ler na sala de espera do médico e no ônibus, já que moro no finalzinho do Recreio e o médico era no inicio da Barra. O livro “Contos de Odessa” do Isaac Babel, maravilhoso!

Eis que entrou no ônibus um sujeito maltrapilho, mas com dignidade nos olhos e sentou do meu lado, o único lugar ainda vago. Ele não tirava os olhos de mim. Eu perguntei: “Tudo bem?” Ele não respondeu, mas perguntou:”Tá lendo o quê?” Eu respondi rápido, meio desinteressado nele: “Babel” E ele: “Não conheço, é brasileiro?” Eu respondi, ainda sem saco: “Judeu russo.” E ele puxou um texto seu de uma pasta de couro surrada; uma matéria do Globo devidamente plastificada; título “Brasil, educação zero” e me pediu encarecidamente para eu ler em voz alta, pois ele estava sem os seus óculos, para aquele povo alienado que estava no ônibus. Ele nem me deu chance de resposta, e já foi se levantando e pedindo a atenção de todos. “Eis aqui um cidadão que lê, peço a tenção de todos para a leitura de um texto importante.” Aí eu comecei a ficar realmente interessado no homem e naquela situação incrível que estava se desenrolando ali. Eu me levantei, e me dediquei a ler seu texto, que era inédito para mim, apesar de ser de outubro de 2013. Muito bom por sinal.

Quando chegou na parte em que vc escreve que nunca ouvira falar de um presidente ou ex-presidente que dissesse que ler é como andar numa esteira, o homem me interrompeu e explicou para o povo, com sua voz de barítono, que o Lula não gosta de quem lê, porque quem lê sabe das coisas e não vota no PT. E emendou num discurso político contra a Dilma e a corja do PT. Ele foi aplaudido, eu me senti como um figurante de um filme italiano comédia, sei lá, incrível; depois ele acenou para eu terminar a leitura. Confesso que me esmerei tanto na dicção que preciso ler o texto melhor. Só percebi que era bom como todos os seus textos, mas esse é um texto que agora faz parte da minha vida!

Depois que acabei entrou no ônibus uma vendedora de balas, que disse: “Desculpe interromper o maravilhoso silêncio de vcs, e blábláblá” Mal sabia ela do que acabara de acontecer, e o povão começou a rir. Meu Deus, que cena! A mulher contou que largara a profissão de faxineira numa grande empresa para ser ambulante, e vendendo bala ela arrumava no mínimo 80 pratas por dia; “e no fim de semana se fizer sol vou com o isopor pra praia cheio de empada e sanduíche natural, daí arrebento e nem tenho coragem de dizer pra vcs quanto faturo se a praia estiver cheia.” E todos riam e compravam balas e amendoins e doces, uma festa aquele ônibus.

Fiquei triste quando chegou no ponto final na Alvorada. Peguei outro ônibus para o Recreio, um tal de BRT muito do sem graça. Parecia um metrô de rodas. E todos calados e eu lendo Babel sem parar! Um beijo, Zeca”

Publicado no dia 03/05/2014 na página do Facebook da Cora Ronai

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