DA ÉTICA
MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)
Entre os méritos que não deixo de lembrar e elogiar, a antiga Editora Abril nos deu a coleção Os Pensadores, cujos livros folheio de vez em quando para pescar assuntos merecedores de entrar na pauta da reflexão e da polêmica.
Nesses dias, fui ao filósofo George Edward Moore, um inglês realista parecido com os colegas alemães…. No seu livro “Estudos Filosóficos”, Moore revela ideias tiradas das teses inovadoras do austríaco Ludwig Wittgenstein que muito contribuíram para a moderna filosofia; nos “Princípios Éticos” ele vai à terminologia com divagações sobre palavras relacionadas à Ética, como “bom”, “dever”, “direito”, “mau”, “obrigação”, “virtude” e “vício” ….
A herança deixada por Wittgenstein com as suas reflexões sobre o múltiplo uso de termos na linguagem e na lógica; neste acervo, avalia a dicotomia das palavras usuais, como que é “bom” ou “mau”, “virtude” ou “perversão”.
O herdeiro, Moore, considera também que as expressões linguísticas desempenham um papel fundamental na comunicação, embora caindo na dependência do caso e do contexto; foi assim que levantou a tese da Casuística.
A Filosofia Analítica em relação à linguagem comum, chamada também de “filosofia da linguagem ordinária” ou do senso comum, recebeu a proposta de Moore para esclarecer como é usada no cotidiano, destacando-se contra as abstrações idealistas e céticas, recomendando ver-se o casuísmo como efeito da linguagem.
A Casuística Filosófica traz certezas simples como “a mão pega na asa da xícara” ou “hoje acordei cedo” e tais afirmações são indiscutíveis ao contrário das definições abstratas como “bom” e “mau”.
O contexto tempo-espaço oferece confusões casuísticas pelas diferentes funções verbais do verbo “Ser”, que levam à identificação inadequada do que é “bom” por seus predicados naturais; esta casual imprecisão linguística carrega implicações filosóficas problemáticas.
Nestas situações encontramos a diferença entre linguagem e proposição, vendo que as proposições são entidades abstratas que as frases exprimem, nem sempre correspondendo à verdade.
Pelo uso corrente da linguagem e a sua valorização pelo costume ancestral, torna-se difícil termos uma visão clara do que é a Ética e sua contradição entre a “filosofia da linguagem comum” em oposição à lógica simbólica.
Assim, vemos esta diferença na cosmogonia a partir da narrativa sobre a origem e a organização do universo, enquanto a teogonia a narrativa vai à origem, genealogia e organização dos deuses ou seres divinos.
Pondo os pés no chão e acendendo, como Diógenes, uma lanterna para procurar a Ética no campo da política, encontramos uma cena muito diferente na 2ª Guerra Mundial quando reuniu Churchil, Roosevelt e Stálin, diferentes em tudo, a se aliar contra o nazifascismo.
Diferente da mediocridade que vemos hoje no concerto internacional reinava a ética no mundo livre, que assistiu por vezes estes encontros na Conferência de Teerã em 1943, na Conferência de Yalta, além de reuniões individuais de Roosevelt e Churchill com Stalin em 1944.
Pulando do século passado para a conjuntura atual, e do passado global para os nossos dias e nossa realidade, a assistência ao palco político brasileiro vê um cenário vazio de Ética, este verbete que, dicionarizado é um substantivo feminino de etimologia do grego antigo “ethos” significando originalmente caráter e costume.
Como adereços e mobiliário que fazem parte da peça protagonizada pelos políticos brasileiros deveria complementar a Ética como importante ramo da Filosofia, que
tem por objetivo refletir sobre os princípios morais, distinguindo o bem e o mal como elementos presentes na sociedade humana.
Tratando-se de valores negativos da moral de grupo ou de indivíduos, confirma-se que, por exemplo, a Ética inexiste entre os polarizadores eleitorais Jair e Lula, ausência que contamina os rebanhos fanáticos que os cultuam….
FALANDO GREGO
MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.om.br)
MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.om.br)
Clássico é clássico; não foi por acaso que Shakespeare criou expressões que entraram na linguagem popular em todos idiomas do mundo…. N’ “A Tragédia de Júlio César” (1599) temos no ato 1, cena 2, Cássio perguntando a Servíllio Casca o que Cícero havia dito, e este responde: “De minha parte, era grego para mim”.
Casca não havia entendido o que Cícero dizia porque este, realmente, estava falando em grego, mas a imagem de “falar grego”, passou a manifestar algo incompreensível a outra pessoa.
No Brasil – às escondidas de pessoas alheadas – a genialidade de Lima Barreto trouxe um magnífico conto, “O Homem que Sabia Javanês”, mostrando o fascínio bacharelesco dos letrados pela falsa erudição.
Lima observou que os círculos jurídicos, sociais e políticos da sua época limitavam-se num vazio intelectual, fato que os anos não deletaram da vida pública, ao contrário, acumularam no “quartinho dos fundos” da História.
Frases de sonoridade imperceptível ao ouvido nos levam a um conto do escritor, editor e crítico literário Edgar Allan Poe. A narrativa leva à denúncia coletiva de uma vizinhança que ouviu gritos de pavor na madrugada, concordando todos que se tratava de vocábulos alemães notadamente a palavra “Ja”, sim, partícula afirmativa.
Poe lembra, porém, que o “Ja”, embora comum ao idioma alemão, é usado em sueco, no dinamarquês, no flamengo, no holandês, no húngaro, em alguns dialetos italianos e na linguagem coloquial dos norte-americanos.
Embora todas testemunhas imputarem a um alemão a gritaria, comprovou-se por fim que os gritos eram guinchos que partiam de um macaco…. Neste contexto factual refletimos que estamos vivendo no século 21, portanto o besteirol ininteligível deveria tornar-se extinto.
Infelizmente, a experiência de viver mostra que a conjuntura política e social fala grego aos cérebros doentios que mantêm larvas de fanatismo que, como diz Voltaire, é uma doença contagiosa como a varíola.
O discurso versátil referindo-se às circunstâncias ambientais é uma droga consumível pela massa ignara, diferentemente de um conjunto de informações que expressam a realidade que os ouvidos broncos não conseguem distinguir.
A analogia das palavras ilusórias e o populismo não têm valor histórico, não passam de relíquias neuróticas cujos cultuadores concebem como verdade, identificando-a como um conceito abstrato.
Sobre o julgamento de Jesus nos Evangelhos, Pilatos, o governador romano, questionou: – “O que é a verdade?”. Cristo nada respondeu.
O silêncio muitas vezes substitui um relato verossímil de pormenores, e, ao contrário da passagem evangélica (escrita em grego) a verdade chega à política através de ideologias distorcidas, da esquerda populista e da direita nada conservadora.
Assistimos pela facilidade das informações que a Internet e a Inteligência Artificial oferecem (e é por isto que os governos arbitrários querem suprimi-las) nos levam a crer que o Brasil se enroscou num redemoinho de inverdades que os três poderes da República turbinam.
Falta um penetra dos andares de cima do condomínio jurídico, uma pessoa com discernimento para falar aos semideuses togados que ali habitam para deixar de lado a defesa da “demogracinha” e atuem como juízes autênticos, defendendo a Democracia como fizeram os déspotas esclarecidos do século dezoito, também absolutos senhores do poder, mas adotando ideias iluministas.
Entre os mais notáveis destas figuras foram Catarina II da Rússia, Frederico II da Prússia, José II da Áustria e o Marquês de Pombal em Portugal. Temos o exemplo marcante de Democracia num fato em que a História registra com Frederico II:
Em razão de um burburinho de rua, Frederico encerrou uma reunião e perguntou ao seu ajudante de ordens o que havia. O oficial disse que alguém fixara um cartaz ofensivo à monarquia, mas colou muito alto e o povão estava tendo dificuldade de ler; acrescentou que iria mandar a guarda armada dispersar a multidão.
O Monarca negou esta ordem e foi à janela; para ser ouvido pela aglomeração, ordenou em voz bem alta ao sentinela à porta do palácio: – “Abaixa o cartaz para que todos possam ler!”. Provocou dessa maneira risadas na multidão que se dispersou aclamando-o….
No Brasil, em pleno século 21, o Complexo STF-Lula é incapaz de um gesto desta grandeza; ao contrário, uma crítica aos semideuses togados do Supremo Olimpo, vai a julgamento como agressão ao Estado…
DAS PAIXÕES
MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)
Civilização significa tudo aquilo que os seres humanos desenvolveram ao longo dos anos para se sobrepor à ancestral condição animalesca. Trata-se de uma arquitetura social para atender à humanidade nas suas necessidades.
O processo da evolução civilizatória levou as nações a se organizarem com um esquema jurídico para manter as instituições governamentais e proteger a cidadania contra o poder monocrático das ditaduras.
É por isto que a civilização deve ser defendida contra o individualismo. São impulsos individuais de lideranças políticas que adotem qualquer rótulo ideológico seja de “direita” ou de “esquerda”.
Só visando a coletividade é que as nações podem cumprir a tarefa de aproveitar o que a Natureza oferece, visando produzir bens para o bem estar social. Assim pensando, desde os tempos remotos, nasceram sonhos utópicos fazendo a festa dos filósofos….
As utopias visam regimes perfeitos que só podem existir teoricamente. Uma sociedade excepcional, igualitária, distributiva e justa é o modelo inatingível que o filósofo, escritor e humanista inglês, Tomás Morus, criou em 1516 junto com o próprio termo, “Utopia”.
A tese de um sistema ideal das condições e relacionamento humano defendida por Morus foi possivelmente inspirada no antecessor, o filósofo grego Platão, que trouxe no seu livro “Atlântida”, uma cidade governada por filósofos, onde o Saber e a Justiça orientariam a vida coletiva.
Entre os sonhos de uma sociedade perfeita funcionando como um todo surgiu cem anos depois da “Utopia”, em 1602, a “A Cidade do Sol”, a projeção de uma sociedade teocrática e científica organizada pela cooperação intelectual, foi defendida pelo frade dominicano Tomazo Campanella; e, no mesmo século, em 1627, o filósofo Francis Bacon escreveu a “Nova Atlântida”, exaltando o papel da ciência e da pesquisa por instituições de governo respeitáveis como base para o progresso.
Este conjunto imaginário por uma sociedade perfeita ressurgiu na agitação intelectual da Revolução Francesa e radicalizou cem anos depois (1871) na Comuna de Paris, um governo popular formado por operários sob influência anarquista que durou 72 dias.
A Utopia, levada à prática pela primeira vez pelos communards, implementou reformas que mais tarde foram adotadas na comunidade internacional, como o ensino gratuito e a autogestão de fábricas.
Esta experiência anarquista foi sufocada pelo exército francês resultando em milhares de mortos e 43.522 presos incluindo entre eles 1.054 mulheres; tal violência acendeu as paixões políticas na Europa e de lá, se expandiu mundialmente.
O espírito da contradição entre revolucionários e governos opressores levou Helvétius, filósofo francês, maçom e literato, a observar que há paixões originárias da Natureza e as que se tornam a bandeira das revoltas contra ambições, corrupção e a desigualdade social e política.
Interessante é que Helvétius concluiu que estas duas espécies de paixão produzem uma terceira, aquela que leva o ser humano a adotar “amor por um” e “ódio pelo outro” ….
Com esta tese, caímos no caso brasileiro da nojenta polarização eleitoral atualmente reinante e assumindo a forma caricata da paixão, o culto da personalidade. Veja-se que assentados no favoritismo e nos privilégios, os polarizadores Jair e Lula partilham da ideia dos “programas sociais” que mascaram a compra de votos com o dinheiro público.
Isto provoca o contraponto entre o desenvolvimento social, econômico e político e a estagnação que favorece uma minoria; esta distorção mantém a política populista que subtrai valores do mundo do trabalho para favorecer o não-trabalho. É o fascismo com a fantasia do socialismo, trocando o princípio “quem não trabalha não come”, por outro: “ganhe uma bolsa e vote na gente”.
Assim, as paixões do sistema de alternância eleitoralista tornam-se ridículas vendo-se a disputa de ambos lados para conquistar a simpatia de Trump; a direita bolsonarista puxando o saco na copa e cozinha da Casa Branca e a esquerda lulista chamando o presidente dos EUA de “cumpanhero Trump” ….
DAS PROIBIÇÕES
MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)
Na ditadura militar que durou de 1964 a 1979 censurando a expressão do pensamento, cantou-se a canção de Caetano Veloso “É Proibido Proibir” como resistência. O autor parece até ter s’esquecido disto, pois não protesta contra a censura que o Governo Lula quer; mas os verdadeiros democratas, não.
Lembro-me de uma entrevista em que Caetano disse que o tema se inspirou num pichamento em muros, durante as revoltas estudantis de 1968 de Paris: “É Proibido Proibir”, palavra-de-ordem que se tornou um slogan nos países em que a liberdade é sufocada.
Desafiar proibições é da natureza humana; sofre, porém, a comezinha repressão desde a primeira infância, quando se é impedido de chupar o dedo na fase do prazer oral, e se torna rotineira ao longo da vida pelos costumes sociais e leis impostas pelos governos.
Algumas proibições no Brasil, por exemplo, são inusitadas… É ininteligível que um jovem de 15 anos tenha o direito de votar para presidente e não possa tirar a carteira de motorista.
Na minha mocidade, com menos de 18 anos, sofri a proibição de frequentar os salões de bilhar, e embora jogasse sinuca com destreza elogiável nos clubes sociais ficando, porém, impedido de disputar torneios públicos.
Revoltei-me logo cedo contra proibições estudando o que os escravocratas brasileiros criaram e deixaram uma preconceituosa herança para nós. Negava aos escravos comer à noite, inventando que é venenoso chupar manga e beber leite, que açúcar faz mal e banana dá prisão de ventre…. Tem até um ditado: “Banana de manhã é ouro, de tarde é prata, de noite mata…”.
Os males da escravatura são vigentes até hoje, com conceitos firmados, opiniões sem base sólida ou conhecimento científico aprofundado, sempre de forma negativa ou desfavorável.
As proibições são intolerantes, discriminatórias, opressivas e xenófobas, como termo literal de prejulgamento; com isto, estabelecem uma distopia simulada e repressiva contra as tendências sociais, políticas e tecnológicas discordantes do Sistema de Governo.
Esta constatação nos leva ao anarquista espanhol que chegou em país inóspito e perguntou a um nativo: – “Hay Gobierno nesta Tierra?”. “No”, respondeu o receptor; ele então foi veemente: – “Precisamos hacer-lo para después combater-lo!….”
No “Livro Vermelho dos Pensamentos de Millôr” o Humorista mostra revolta por ser governado. Diz: “Ser governado é ser inspecionado o tempo todo, ser espionado, legislado absurdamente, regulamentado, condicionado, doutrinado, estampilhado e proibido”.
Uma opinião bem diferente dos artistas que se submetem à opressão, por nostalgia de grilhões escravocratas ou porque se vendem pelos trinta dinheiros que o poder oferece com leis tipo Rouanet. Eles nos levam ao lamento de Maquiavel: “Como é perigoso tentar libertar um povo que prefere a escravidão!”.
Trazemos dos estudos da Mitologia Grega a dureza das proibições no Mito de Prometeu, Titã que simpatizava com os humanos e enfrentou o poderoso Zeus, que proibiu aos homens de possuírem o fogo. Vendo os viventes frágeis comendo alimentos crus e sofrendo frio, Prometeu rouba o fogo do Olimpo e o dá à humanidade, permitindo-lhe cozinhar, aquecer-se, desenvolver artes, ofícios e civilização.
Para puni-lo, Zeus manda acorrenta-lo a uma rocha onde um abutre diariamente lhe rasga a barriga e come-lhe o fígado, que à noite se regenera para que a tortura se repita eternamente.
O anedotário histórico conta que o dramaturgo francês Tristan Bernard contou esta lenda para seu netinho, que exclamou: – “Coitado do abutre!”. Bernard, surpreso, perguntou: -Como? Porque tens pena do abutre e não de Prometeu? A criança insistiu: – “Do abutre, sim, porque deve ser horrível comer fígado todos os dias…”
Vindos para legalizar as proibições, juízes interpretam as leis, nem sempre conforme determinou o legislador, e quando proíbem qualquer coisa fazem muitas vezes por interesses pessoais ou políticos.
… E as proibições nos levam a Montesquieu, curto e grosso: “Não há tirania mais cruel do que aquela que se perpetua sob o escudo da lei e em nome da Justiça”.
Augusto Frederico Schmidt
As chuvas da primavera
Em breve virão as chuvas da Primavera,
As chuvas da primavera
Vão descer sobre os campos,
Sobre as árvores pobres,
Sobre os rios degelando.
As chuvas da Primavera
Cairão sobre os jardins perdidos,
Sobre os rosais desnudos,
Sobre os canteiros sem flor.
As chuvas da Primavera anunciarão
Os grandes dias próximos,
E a cantiga das águas escorrendo
Dos beirais
Nos dirá do tempo próximo,
Das primeiras flores,
Dos primeiros ninhos,
Das primeiras palpitações
Dos brotos,
Das esperanças,
Da vida que se insinua em tudo,
Nos ramos,nas penugens,
Nos céus limpos.
Em breve virão as chuvas da Primavera.
Os rios já estão degelando
O frio já não é tão mau.
Adormece, pois, meu amor,
E esquece este inverno,
Deixa que o sono te leve,
Como as águas levam flores
E folhas soltas.
– Augusto Frederico Schmidt, no livro “Um século de poesia”. [organização Euda Alvim e Letícia Mey]. São Paulo: Editora Globo, 2005.
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DE MURMÚRIOS
MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)
Só ouvi a palavra “Murmúrios” em letras de boleros e tangos. É visceral; o seu intimismo é raro. Dicionarizada, a palavra Murmúrio é um substantivo masculino que indica a ação ou efeito de falar baixinho, sussurrar; tem o sentido de queixa e lamentação. No seu lado negativo é um comentário malicioso que se faz cheio de insinuações.
Tenho um exemplo para a maledicência: um primo mineiro metido na política das Minas Gerais pretendeu candidatar-se a deputado. Escreveu aos parentes pedindo ajuda para o projeto; ao pai, meu tio João, pediu um jipe, que é econômico, seguro e indispensável para deslocamentos interioranos.
Do Pai recebeu uma carta – naqueles tempos de telefonemas difíceis, sem celular e sem Internet– que considero antológica; num conselho de inesperada frieza perguntou se o filho estava preparado para ser chamado de “viado”, “corno” e “ladrão” na campanha eleitoral; e assim descreveu a realidade murmurante do nosso mundo político cheio de falsas acusações, calúnias e difamações que, depois de publicadas, são como uma flecha; depois de disparada não tem volta.
Fuxicos, cartas anônimas e pichações contra alguém, lembram o que encenou Shakespeare com Hamlet e Ofélia, a advertência sobre a inevitabilidade da calúnia. O “Murmúrio” não caminha pela “Terra Plana”, não fala a linguagem neutra, nem pode ser considerado fake news. Levá-lo ao anedotário fica de bom tamanho; e um deles corre ao pé do ouvido entre os camitas e os semitas sacaneando uns aos outros.
Um amigo recém chegado de Nova Iorque contou-me uma anedota ocorrida no Inverno nevoento nova-iorquino, com temperatura abaixo de zero quando dois judeus saíram de um café aquecido e deixaram a porta aberta. Lá de dentro gritaram: – “Fechem a porta, mal educados!”; dai, Davi virou pra Jacó: – “Ouviste como estão atrevidos estes racistas antissemitas?”.
A anedota foi contada na casa de um amigo que namora uma judia; ouvindo a piada, retrucou com o caso de um palestino que morria de medo em viajar de avião e ouviu de um colega, fundamentalista: – “Alá (bendito seja o nome do profeta!), se quiser te levar, sabe onde encontra-lo…. E o medroso argumentou: – “Certíssimo, meu caro. E se Alá (glória ao nome de Alá!) quiser levar o piloto do avião?”
Estes murmúrios levados para fora do Oriente Médio são mais políticos do que xenófobos; nós conhecemos facécias de outros povos. Ouvi uma, referindo-se que os escoceses são o povo mais pão-duro do mundo; e relata que um deles estava se penteando e exclamou: – “Que desgraça!”, e falou à esposa: – “Quebrei um dente do pente e vou precisar comprar outro…” Aí a mulher, dos tradicionais MacListers, acudiu: – “Não podes deixar para depois?” …. E ouviu do marido; – “Não, não dá, minha querida, era o último dente!”.
Da Europa para o Extremo Oriente tem a chistosa cena ocorrida do japonês pedindo a um amigo brasileiro indicar nome para seu filho que estava para nascer, e o amigo se prontificou, dizendo: – “Sugiro que seja Sérgio”. E o futuro pai, agradecido: – “Ótimo! Gostei muito de ‘Sugiro’!” ….
No Hemisfério Sul, do lado Oeste do Atlântico, na Pindorama, ouvem-se murmúrios ecoando desde o Planalto Central; não chegam a tsunamis, mantêm-se como marolas espumantes de verdades que parecem mentiras e mentiras que se assemelham a verdades sobre a descondenação de Lula e a sua eleição, promovidas pelo STF.
De lá, as varreduras para livrar condenados, réus confessos pela Lava Jato estão enriquecendo parentes de ministros que usam e abusam de sentenças monocráticas em julgamentos cheios de suspeição.
Às direitas, a trama golpista dos militares amantes da ditadura e revanchistas insatisfeitos pela derrota eleitoral, provam a reprovação dos mesmos nos quesitos Estratégia e Tática; traçaram a condução de um golpe de Estado com uma ignorância flagrante, imperdoável, tanto como atentado ao Estado de Direito como pela antológica burrice dos Bolsonaro.
Surfando na “soberania lulopetista” multiplicam-se os murmúrios sobre a clamorosa mentira de Lula desvendada em plena assembleia geral da ONU: depois de repetir sete vezes que Trump não queria um diálogo, foi convidado por ele para uma reunião na Casa Branca, e se arregou covardemente….
No deserto de patriotismo que empoeira o Legislativo tivemos agora, com a reprovação de 76% dos brasileiros e brasileiras a PEC. da Blindagem, um louvor ao crime organizado com diploma de corporativismo da picaretagem delinquente.
Enfim, insinuam que o presidente da Câmara Federal, Hugo Motta, ouve como uma homenagem o bolero de Rafael Cardenas / Rubén Fuente, que Gregório Barrios cantou – “Que murmurem, / No mi importa que murmurem/ No mi importa que lo digam/ Ni que lo pensem la gente….”
Marina Colasanti
Outras palavras
Para dizer certas coisas
são precisas
palavras outras
novas palavras
nunca ditas antes
ou nunca
antes
postas lado a lado.
São precisas
palavras que inventaram
seu percurso
e cantam sobre a língua.
Para dizer certas coisas
são precisas palavras
que amanhecem.
– Marina Colasanti, em “Fino sangue”. Rio de Janeiro: Editora Record, 2005.
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Pagu
Canal
Nada mais sou que um canal
Seria verde se fosse o caso
Mas estão mortas todas as esperanças
Sou um canal
Sabem vocês o que é ser um canal?
Apenas um canal?
Evidentemente um canal tem as suas nervuras
As suas nebulosidades
As suas algas
Nereidazinhas verdes, às vezes amarelas
Mas por favor
Não pensem que estou pretendendo falar
Em bandeiras
Isso não
Gosto de bandeiras alastradas ao vento
Bandeiras de navio
As ruas são as mesmas.
O asfalto com os mesmos buracos,
Os inferninhos acesos,
O que está acontecendo?
É verdade que está ventando noroeste,
Há garotos nos bares
Há, não sei mais o que há.
Digamos que seja a lua nova
Que seja esta plantinha voacejando na minha frente.
Lembranças dos meus amigos que morreram
Lembranças de todas as coisas ocorridas
Há coisas no ar…
Digamos que seja a lua nova
Iluminando o canal
Seria verde se fosse o caso
Mas estão mortas todas as esperanças
Sou um canal.
O poema Canal foi publicado n`A tribuna de Santos, SP, em 27 de 11 de 1960.
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Patativa do Assaré
O agregado e o operário
Sou matuto do Nordeste
criado dentro da mata
caboclo cabra da peste
poeta cabeça chata
por ser poeta roceiro
eu sempre fui companheiro
da dor, da mágoa e do pranto
por isto, por minha vez
vou falar para vocês
o que é que eu sou e o que canto.Sou poeta agricultor
do interior do Ceará
a desdita, o pranto e a dor
canto aqui e canto acolá
sou amigo do operário
que ganha um pobre salário
e do mendigo indigente
e canto com emoção
o meu querido sertão
e a vida de sua gente.Procurando resolver
um espinhoso problema
eu procure defender
no meu modesto poema
que a santa verdade encerra
os camponeses sem terra
que o céu deste Brasil cobre
e as famílias da cidade
que sofrem necessidade
morando no bairro pobre.Vão no mesmo itinerário
sofrendo a mesma opressão
nas cidades, o operário
e o camponês no sertão
embora um do outro ausente
o que um sente o outro sente
se queimam na mesma brasa
e vivem na mesma Guerra
os agregados sem terra
e os operários sem casa.Operário da cidade
se você sofre bastante
a mesma necessidade
sofre o seu irmão distante
levando vida grosseira
sem direito de carteira
seu fracasso continua
é grande martírio aquele
a sua sorte é a dele
e a sorte dele é a sua.Disto eu já vivo ciente
se na cidade o operário
trabalha constantemente
por um pequeno salário
lá nos campos o agregado
se encontra subordinado
sob o jugo do patrão
padecendo vida amarga
tal qual burro de carga
debaixo da sujeição.Camponeses meus irmãos
e operários da cidade
é preciso dar as mãos
cheios de fraternidade
em favor de cada um
formar um corpo comum
praciano e camponês
pois só com esta aliança
a estrela da bonança
brilhará para vocês.Uns com os outros se entendendo
esclarecendo as razões
e todos juntos fazendo
suas reivindicações
por uma democracia
de direito e garantia
lutando de mais a mais
são estes os belos planos
pois nos direitos humanos
nós todos somos iguais.
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Carolina Maria de Jesus
Dá-me as rosas
No campo em que eu repousar
Solitária e tenebrosa
Eu vos peço para adornar
O meu jazigo com as rosas
As flores são formosas
Aos olhos de um poeta
Dentre todas são as rosas
A minha flor predileta
Se a afeiçoares aos versos inocentes
Que deixo escritos aqui
E quiseres ofertar-me um presente
Dá-me as rosas que pedi.
Agradeço-lhe com fervor
Desde já o meu obrigado
Se me levares esta flor
No dia dos finados.
– Carolina Maria de Jesus, em “Antologia pessoal”. (Organização José Carlos Sebe Bom Meihy). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996, p.169
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