Arquivo do mês: setembro 2024

DOS FASCISMOS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Antes de mais nada é preciso esclarecer que o fascismo não tem nada a ver com as “direita” e “esquerda”, posições políticas definidas e consagradas historicamente pela Revolução Francesa.

O fascismo, como sistema de governo, apareceu no século passado entre o stalinismo soviético e o mussolinismo italiano; na URSS pelo autoritarismo stalinista e, na Itália, pela proposta de Mussolini de um socialismo nacional.

Na Rússia czarista os bolcheviques fizeram a “revolução progressista” e na Itália o “Risorgimento” propôs a “revolução conservadora”; ambos críticos do capitalismo que explorava a industrialização atrasada dos seus países, e mantendo certa diferença com relação aos proprietários rurais.

As duas “revoluções” conquistando o poder, sofreram inicialmente a incapacidade de conciliar a proposta teórica com a realidade. Na URSS, decretou-se a extinção da propriedade privada e os proprietários (kulacs) foram obrigados a deixar suas terras que passaram a pertencer ao Estado. Sofreram o diabo.

Na Itália, Mussolini formou uma aliança com os grandes proprietários feudais do Sul, o que lhe permitiu realizar a venda dos bens rurais da Igreja Católica, o quê, na prática política transpareceu a semelhança programática do Partido Fascista e dos Socialistas Revolucionários na Rússia.

Finda a Primeira Grande Guerra (1914-1918) a Revolução Bolchevique despertou esperanças para os trabalhadores do mundo inteiro; esperanças que foram desfeitas com a morte de Lênin, e a implantação da “ditadura do proletariado”, eufemismo para substituir a participação pessoal de Stálin.

Isto decepcionou a intelectualidade revolucionária e repercutiu entre os partidos socialistas do mundo inteiro. Na Itália o PSI rachou, levando à formação do Partido Comunista obediente a Stálin.

Assim, enquanto socialistas e comunistas digladiavam, os italianos foram atraídos pela proposta da “Unione Socialista Italiana”, com a proposta de um “socialismo nacional”, substituindo o conceito da luta de classes pelo conceito de pátria-nação. Criou-se desta maneira uma relação com a dissidência socialista da Unione Italiana del Lavoro.

Este revisionismo era divulgado pelo jornal do Partido Socialista Italiano, o “Avanti”, defendido por Benito Mussolini, jornalista e agitador, que defendeu a formação de uma “santa vingança popular”, como vimos n’ “As origens do Fascismo”, livro de Robert Paris.

O PSI expulsou Mussolini do jornal; então, ele fundou o “Popolo d’Itália” que chamou de “o diário dos combatentes e dos produtores”; dali passou a patrocinar uma posição “antipartido”, com o quê recebeu milhares de adesões.

Contando com o apoio de antigos sindicalistas revolucionários, Mussolini propôs uma medida extrema, reconhecendo a “capacidade do proletariado em dirigir diretamente a fábrica”; e, após a formação de conselhos de trabalhadores, iniciou uma campanha entre amigos e simpatizantes para formar os “fasci di combattimento”, semente do Partido Nacional Fascista.

Na URSS, Josef Stálin assumiu o comando geral do partido e do governo na URSS, eliminando seus adversários através de processos fraudulentos, levando o ex-ministro da defesa de Lênin, León Trotsky, a fugir para o exílio, denunciando pelo livro “A Revolução Traída” a instalação de um governo atrabiliário, policialesco, totalitário e violento.

O desvio da revolução leninista serviu de lição para Mussolini já ocupando em 1922 o governo italiano, ocupado após a marcha dos “camisas negras” sobre Roma, o que determinou o fim da “monarquia constitucional” e do liberalismo econômico.

Iguais aos stalinistas, os fascistas aparelharam o Congresso, a Justiça, o Exército e a Polícia, controlando todas as instituições do Estado, e se apoiaram na burocracia partidária e policial sob o pretexto de acabar com os antagonismos sociais; e, como ocorreu na URSS, também eliminaram os seus oponentes.

Desta memória histórica vemos que as duas posições foram apenas ditatoriais e não “direitistas” ou “esquerdistas”; ambos são fascistas com a mesma ideologia autocrática inseparável dos ditadores.

Encontramos similitudes no Brasil com os exemplos que descrevemos, tendo de um lado, os fascistas de Bolsonaro, reacionários que defendem torturadores e, do outro lado, os fascistas de Lula, populistas alinhados com as teocracias do Oriente Médio, ditaduras africanas e defensores do ditador Maduro.

Fascistas, vermelho e negro, implantaram no país a imunda polarização eleitoral com ajuda da “grande mídia”; e acusam a resistência contra isto de “fascista”. Churchill tinha razão quando profetizou que “os fascistas do futuro chamarão a si mesmos de antifascistas”.

Hilda Hilst

Dez chamamentos ao amigo

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

DA ESQUERDA

MIRANDA SÁ (Emil: mirandasa@uol.com.br)

Herança ideológica da Revolução Francesa (1789–1799) atribui-se à Esquerda a posição das bancadas ocupadas pelos convencionais revolucionários, defensores de uma maior igualdade social e das liberdades democráticas. Distinguiam-se dos que se sentavam à direita, saudosistas da monarquia derrubada.

Os principais herdeiros da esquerda histórica foram os anarquistas e os sindicalistas revolucionários, e mais tarde, comunistas, socialistas, sociais democratas e trabalhistas, contrários às desigualdades sociais.

A Esquerda abrangeu também os movimentos sociais, pulverizando-se após a Revolução Russa, e foi do centralismo autoritário stalinista à sua maior falsificação, o populismo eleitoralista.

O termo “esquerda” atualmente, é o invólucro dos partidos populistas, que absorvem com oportunismo as manifestações populares espontâneas, como os movimentos pelos direitos civis, antiguerra, ambientalista, antirracista, anti-homofóbico e em defesa da mulher contra a violência doméstica e a discriminação no mercado do trabalho.

Este sistema que abrange diferentes posições políticas em relação umas às outras, traz o estabelecimento da burocracia partidária do populismo e o extremismo verbalizado – e apenas verbalizado – da “esquerda eleitoralista” – diferenciando a “esquerda” do “esquerdismo”.

A literatura marxista imprimiu o vocabulário leninista, apontando o esquerdismo como o revisionismo que adota um excessivo radicalismo; leva-nos à necessidade de um  estudo político-ideológico para distinguir a esquerda do esquerdismo. Ver, por exemplo, a obra “Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo”, de Lênin.

Uma visão superficial da teoria política sugere que quem leu o livro deveria revisitá-lo, e quem não leu, deveria lê-lo e comparar os seus conceitos com ideias atuais. Assim cotejando, observaremos a economia capitalista, e as especulações filosóficas atuais, fruto dos avanços científicos e tecnológicos.

Encontraremos dessa maneira as experiências das sociais democracias nórdicas e dos fragmentos propagandísticos deixados pela Guerra Fria influenciando os povos subdesenvolvidos. Este contexto nos leva a analisar as realidades nacionais.

As particularidades de cada Nação e de cada povo servirão, sem dúvida, para concluir como fez o economista Roberto Campos que verificando o desvio esquerdista do populismo na América Latina, escreveu: “O que os governos latino-americanos desejam é um capitalismo sem lucros, um socialismo sem disciplina e investimento sem investidores estrangeiros”.

Pela experiência com a conjuntura sócio-política brasileira, poderíamos acrescentar a este pensamento, o arrefecimento da esquerda entre nós, travestindo-a de populismo eleitoralista, deformidade que abandona a despe de princípios princípios, para defender ditaduras e agredir a livre expressão do pensamento; lembrando o que projeta John Henry Newman: “O mal prega a tolerância, até que se torne dominante. A partir daí, ele procura silenciar o bem”.

É por estas e muitas outras razões que defendo o centrismo contra a polarização das auto-assumidas direita e esquerda, apenas facções populistas. Acho preferível ver o embate mundial do capitalismo e do socialismo absolutos, e extrair disto as experiências positivas dos dois sistemas.

Já se encontram em cátedras universitárias mundo afora diversos economistas, filósofos e sociólogos que veem o confucionismo chinês ocupar o lugar do marxismo europeu e conciliar o conflito da polarização econômica mundial adotando um regime multiforme….

Observador que foi a realidade na sua época, Karl Marx possivelmente se estremece no túmulo, tendo acima de si do seu pensamento um mundo novo, cientifica e tecnologicamente diferente do que previu.

DO DILÚVIO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Obrigo-me a responder a uma meia dúzia de três ou quatro tuiteiros que criticaram o meu último artigo postado no “X”, “DA VIDA”, desconsiderando a reflexão de que o Velho Testamento é fabulário, como as Mil e Uma Noites persas….

Deixaram-me triste apenas por insinuarem preconceito contra a religião, sem ter compreendido meu apoio à magistral concepção de Spinoza de que Deus é causa imanente, e não transitiva, de todas as coisas; e foi além, dizendo que – “É preciso conhecer a natureza, o máximo que pudermos, se quisermos conhecer Deus”.

Chega bem perto do Budismo, não é? Não há de minha parte nenhum ateísmo, mesmo criticando o Deus bíblico de semelhança humana, que quer ser louvado sempre para intervir e atender a necessidades pessoais.

Das fantasias que o dogmatismo religioso antigo impôs aos povos semitas e, consequentemente, aos seguidores do cristianismo, encontro a fictícia historieta da salvação humana por Noé, quando ocorreu o dilúvio. Quem tem cérebro para pensar não pode acreditar nisto.

Que houve um dilúvio, houve, mas limitado ao Mediterrâneo, que era um grande vale até o rompimento das águas do Atlântico. Os seres humanos ali se fixaram na Era Neolítica, e, segundo hipótese levantada por W. B. Wrigth, médico escocês, estudioso das eras glaciais, foi possivelmente ali que floresceram as primeiras bases da civilização.

Estudos geológicos mostram que a inundação do Vale do Mediterrâneo ocorreu entre 15 mil e 10 mil anos a.C e foi um extraordinário acontecimento da pré-história da humanidade.

Quando as águas do Atlântico rasgaram violentamente o istmo que ligava a África à Europa – hoje o Estreito de Gibraltar -, dia após dia as águas salgadas se espalharam inundando os campos e as habitações, impelindo um grande êxodo das pessoas que ali viviam.

As águas desconhecem obstáculos; correram aceleradamente surpreendendo muitas cidades, arrastando tudo que encontrava pela frente chegando às barreiras holocênicas da África e às montanhas da Arábia.

Foi desta imensa catástrofe, no dizer de H. G. Wells, que surgiu a narrativa do drama do dilúvio. Está na origem da religião babilônica com seus primeiros deuses nascendo do caos criado por um dragão que foi combatido pela Mãe Universal, Tiamat, (a água salgada do mar).

O marido da deusa, Marduk, para ajudá-la enfrentou o dragão e, ajudado pelo vento, o raio e o trovão, venceu-o cortando-lhe em dois pedaços, um deles constituindo o firmamento e a outra, Terra.

Com este cenário, a cosmogonia babilônica narra a história de um dilúvio e fantasiando-a fala da salvação dos seres humanos numa arca. A História das Religiões registra a influência da Babilônia sobre os povos semitas e, provavelmente esteve presente nos primeiros livros escritos pelos judeus em época mais tardia.

O mito do dilúvio é uma narrativa da grande inundação mediterrânea com o seu assentamento bíblico escrito em aramaico no Tanakh, chegando-nos através dos capítulos 6 a 9 do Livro de Gênesis no Antigo Testamento. A história conta que Deus decidiu retornar a Terra para o seu estado do caos aquoso, para refazê-la depois com uma reversão da criação.

Está escrito que o dilúvio durou 40 dias, um castigo para a humanidade, que se encontrava cheia de violência (Gn 7:17-24). As suas águas afogaram todos os humanos e animais, exceto aqueles que se refugiaram na arca de Noé, filho de Lamec e neto de Matusalém. Após seu feito, Noé, ao completar 500 anos gerou Sem, Cam e Jafé (Gn 5,25-32).

Somos os descendentes da humanidade sobrevivente, mergulhados num novo Dilúvio – o da iniquidade –, por culpa de governantes mundiais desqualificados, fomentadores de guerras. No Brasil restou o pântano imundo da polarização entre os populismos corruptos, auto-assumidos “de direita” e “de esquerda” …

 

DO SAUDOSISMO

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

Chegou um tempo em que a chamada “grande mídia” não divulga, não investiga e ignora como e por quê irrompeu no cenário nacional o insano desejo dos magistrados e dos políticos pela volta ao passado sem Internet e sem as redes sociais.

Constata-se – não se pode esconder – que isto começou com o semideus do STF Olímpico, ministro Alexandre de Moraes, comentando que “antes da Internet a gente era feliz e não sabia”, frase divulgada pelos ‘especialistas’ da GNews, pouco afeitos a criticar o poder constituído.

Este pensamento do Máximo Defensor da Democracia condena explicitamente o direito de opinião, as críticas e as denúncias contra os governantes; e vem inoculado pelo vírus maligno do saudosismo contaminado pela ideologia pelega do lulopetismo.

Fui visitar o verbete “Saudosismo” que estava internado na UTI da Gramática, sem nem sequer ser lembrado pelos poetas simbolistas do século passado, militantes do Movimento Saudosista…

Nos alfarrábios encontramos Saudosismo, substantivo masculino de origem latina “Solitas”, solidão, retiro; originário de “Solus”, sozinho, significando a tendência pessoal de valorizar exageradamente coisas do passado. Em português a palavra define até o conluio de intrigantes ou interesseiros….

E é aí que mora o perigo. Por isto aconselho aos juristas, políticos e religiosos que antes de surfar na onda saudosista, leiam a Bíblia, onde encontrarão no Eclesiastes (7:10 NVT): “Não viva saudoso dos “bons e velhos tempos”; isso não é sábio”.

O Saudosismo criou vida na espetacular película de Woody Allen, “Meia Noite em Paris”, que aborda no cenário espaço-tempo da ficção os sonhos de uma volta ao passado. Já descrevi em outro artigo esta aventura vivida pelo roteirista americano Gil Pender (Owen Wilson) com Adriana (Rachel McAdams), estudante francesa de moda.

Deixando de lado as preliminares novelescas do filme, está no encontro casual dos dois personagens o sonho de uma volta ao passado, levando Gil Pender a viver a década dos anos 1920, convivendo com intelectuais idolatrados por ele, literatas, pintores e músicos.

No clima de realismo fantástico, Pender encontra os seus ídolos literários, Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e T.S. Eliot, e tem o rascunho do livro que está escrevendo analisado por Gertrude Stein. Assiste ao vivo um recital de Cole Porter ao lado de Pablo Picasso…

A jovem Adriana vive o fascínio da “Belle Époque” conseguiu a oportunidade de ir a 1890 e tomar champanhe no “Moulin Rouge” em companhia de Toulouse Lautrec. À mesa ela é apresentada a Gauguin e Degas, que a encantam, fazendo-a decidir a ficar naquela época. Decepcionado, Gil Pender volta à Paris e ao presente.

A Nostalgia cinematográfica é comparável à literária, conforme li na crônica “Alegria de viver” do escritor ítalo-argentino Pittigrilli, um comentário sobre a revolta de antigos gozadores de privilégios contra os direitos conquistados pelo proletariado. Do garçom, da manicure, motorista e servidores da Saúde e dos empregados domésticos, que exigem tratamento igual ao dos burgueses.

Desenvolvendo com maestria o tema do saudosismo, Pittigrilli fala do chanceler francês Talleyrand que disse: – “Quem não viveu antes de 1789 não sabe o que é ser feliz”; e comenta que antes da Revolução Francesa a vida era mesmo maravilhosa para quem ostentava título de nobreza e mesmo quem possuía um moinho, um forno e um trigal, tendo camponeses para plantar e moer o trigo para si “de graça”.

Lembra o cronista que ainda na França, os que perderam privilégios resmungaram “Não se sabe como éramos felizes antes de 1848!”; esta data registra a Comuna de Paris, implantada pela revolução que ficou conhecida como “Primavera dos Povos”, pois se espalhou pela Europa em nome da liberdade e dos direitos dos trabalhadores.

Que se lembre também que resquícios da nobreza europeia e burgueses ociosos se diziam saudosos dos tempos anteriores à Primeira Guerra (l914-1918) e da Revolução Russa; estágio que os fazia felizes num sistema que lhes permitia viver-se às custas do trabalho alheio…

Agora, no Brasil, sabiam que eram felizes os que gozavam a Liberdade de Expressão, fazendo críticas e denúncias pelas redes sociais contra os políticos corruptos e os mamateiros com boquinhas no alto escalão do Governo Lula. Foram penalizados por isto, sem culpa nem participação no entrevero dos egos de Alexandre Moraes e Elon Musck.

Somos 21,4 milhões de brasileiros privados da rede social “X”, pagando pelo crime de observarmos o cenário dantesco que o poder oferece, no clima descrito pelo Marquês do Lavradio: “Aqui, não há nada que não se venda, de cousas a almas, de gente a favores”.

Fernando Pessoa

Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem  alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo:  “Fui  eu ?”
Deus sabe, porque o escreveu. ”

Veja mais sobre “5 melhores poemas de Fernando Pessoa” em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/os-melhores-poemas-fernando-pessoa.htm

Fernando Pessoa

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

DO ARBÍTRIO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Líder da concentração de poder monárquico na Europa, o rei Luís XIV instalou o absolutismo na França e, como a vitaliciedade dos semideuses do STF, teve o mais longo reinado da História. De 1643 até à sua morte, m 1715.

Criou a própria alcunha de “Rei Sol”, impondo por maciça propaganda a aceitação popular desta personificação caracterizada pelo absolutismo manifestado numa frase sua que ficou famosa: “O Estado sou Eu”.

Lembremos que nos primórdios da civilização, as pessoas se sentiam na dependência dos deuses, e os sacerdotes eram intermediários entre o divino e o humano, hábito que deixou como herança para os antigos impérios reconhecer os reis como autoridade religiosa e, consequentemente a autoridade política.

Os historiadores concluem disto que a autoridade política dos reis, atribuindo-lhes, no dizer do historiador positivista Fustel de Coulanges no seu livro “A Cidade Antiga”, a condição de rei-sacerdote.

Assim foi estabelecido entre o poder e a sociedade. A civilidade e a filosofia da Grécia antiga assumiram a resistência que, mesmo com visão democrática no século 21, não encontramos no Brasil, sob o arbítrio monocrático da Suprema Corte numa postura que nos leva à Martin Luther King: “Nunca se esqueça que tudo o que Hitler fez na Alemanha era legal para os juízes daquele país”.

A História da Civilização registra que quando se estabeleceu a organização estatal sob a relação autoridade-obediência foi combatida pelo dialeta grego Anaxágoras, propondo que há uma inteligência universal que governa tudo e dá liberdade aos seres humanos para expressarem suas opiniões.

Isto não entra na cabeça de seguidores de uma ideologia distorcida, dos fanáticos cultuadores do culto às personalidades políticas, como assistimos semana passada na CNN, vendo o ministro Alexandre ser aplaudido após defender a censura.

Voltando à resistência contra o totalitarismo, tivemos também os antigos sofistas que travaram uma guerra contra os preconceitos e a obtusidade ultrapassada do poder constituído, pregando o princípio dos direitos cidadãos e de uma justiça mais racional do que submissa ao exclusivismo dos magistrados.

A arte de raciocinar e se manifestar combatendo velhos costume pelo exercício da cidadania atuando independente e livre, deve voltar a ser pensada, discutida e implantada, para garantir o autêntico exercício democrático.

No nosso caso, não devemos ser obrigados a nos submeter aos poderes instituídos se esses fugirem das prerrogativas constitucionais. Recentemente, assistimos a tentativa de nos levar à servidão das decisões particulares de alguns juízes auto-assumidos de uma autoridade que não lhes cabe.

Assim, o atentado praticado contra o “X”, penalizando 21,4 milhões de usuários da rede em consequência de um entrevero personalista e vaidoso do ministro Alexandre Moraes igualado nestes defeitos com o dono da empresa, Elon Musk, é condenável por todos defensores dos direitos humanos, da liberdade de expressão, do ir e vir, e do assumir pessoalmente a crítica e a denúncia sobre os ocupantes do poder.

É com tal opinião que vejo a semelhança do meritíssimo Alexandre – O Poderoso – e Luís XIV, e o contraste entre o rebanho defensor do arbítrio e o pensamento dos autênticos democratas.

A redemocratização saída de uma duradoura ditadura militar adotou princípios e regras essenciais para garantir a Democracia, não a democracia encarnada pela figura de um ou de uma dúzia de indivíduos, mas o regime que atenda ao impulso humano de sair da escravidão política e ideológica imposta pelas ditaduras.

Quebrando os grilhões do mando pessoal, Ulisses Guimarães expressou que a premissa de que “a Pátria não pode se tornar capanga de idiossincrasias pessoais” e um truísmo que deve vigorar: “A Nação quer mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar”.