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DAS FANTASIAS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Um cristão autêntico que se destaca pela honestidade nas redes sociais, diferente dos oportunistas fraudulentos que se fingem de “religiosos”, comentou o meu artigo DO DILÚVIO, com uma leve crítica; para ele, não importam as fantasias bíblicas, aceita-as por uma questão de fé.

Com todo respeito, respondi-lhe lembrando a minha avó Zulma que tinha os joelhos calejados por ao pé de uma imagem da Santa Terezinha horas seguidas, demonstrando uma imensa fé na estátua de gesso.

Não quis ofendê-lo, pelo contrário, quis mostrar que as questões de fé vêm de tempos muito remotos, na origem das concepções religiosas, com os nossos ancestrais primitivos se relacionando estreitamente com a Natureza e os seus fenômenos.

Como sabemos, as crenças e práticas nunca são de um só homem, mas coletivas de uma sociedade. A Antropologia registra que os primeiros humanos se sociabilizaram; nunca caçaram ou colheram sozinhos, de maneira que o medo e a fé em objetos defensivos ou para “dar sorte” sempre foram comunitários. Assim constatou Freud no seu livro com os “Totens e Tabus”.

A escuridão noturna e os fenômenos fisiológicos do sono e dos sonhos inquietaram e exigiram uma explicação satisfatória; a explicação veio do matemático, escritor, filósofo e teólogo francês, Blaise Pascal, concebendo que tais preocupações levaram à invenção da alma.

Assim temos o Animismo, a “religião de fraldas”, nas tribos primitivas, limitando-se ideologicamente ao baixo desenvolvimento produtivo, que deu mais força às relações entre as pessoas e mais estreitas e ajustadas com a Natureza reinante.

A partir daí, a História mostra que paralelamente às manifestações religiosas surgiu a sua exploração comercial com a venda de artefatos, objetos de arte, monumentos funerários e imagens de barro ou madeira figurando deuses. Criou-se assim a indústria da idolatria.

Daí em diante a arqueologia vem revelando que o sentimento religioso tomou a direção subjetiva da transferência da divindade incorpórea e inatingível para os monumentos e as inscrições petróglifas (mais tarde pergaminhos e livros) atribuindo a estes um poder mágico aos fetiches.

O avanço civilizatório trouxe uma nova percepção na antiga Grécia nos anos 400 a.C., quando o filósofo e matemático Pitágoras imaginou e pregou a conexão e a união entre a alma individual e a alma divina, com a crença de uma “alma abrangente” de humanos, animais e até de objetos.

Assiste-se a partir de então a evolução vinda desde o primeiro estágio religioso da humanidade até a crença da alma, herança deixada pelos avoengos da cultura ocidental.

No Ocidente, porém, sofremos um processo regressivo da idolatria quando o cristianismo se tornou a religião imperial e a Igreja Católica Romana para atrair devotos, usou ídolos, inclusive apresentando a deusa Isis como se fosse Maria, mãe de Jesus, coroada como “rainha do céu”.

Constata-se mesmo assim que muitas pessoas já não se ajoelham diante de ídolos e imagens colocadas para serem venerados no lugar de Deus e dos santos. A imaterialidade da alma, pregada por Pitágoras, depois aceita e desenvolvida por Spinoza, ensina que Deus e a Natureza são a mesma e única coisa.

Na velha Grécia de Platão e Sócrates, Pitágoras foi condenado ao exílio e teve os seus escritos queimados; e Spinoza foi punido pelas autoridades religiosas judaicas sendo repudiado socialmente. Estas penas exemplificam a intolerância reacionária.

Intolerância presente ainda hoje, em pleno século 21, surfando ultrapassada sobre a massa ignara, e ainda vemos ídolos cultuados em lugar de Deus; o pior, muito pior mesmo, é que essa adoração totêmica se sobrepôs ao religioso, chegando ao culto à personalidade de políticos, como vimos no século passado nos países totalitários e, infelizmente, se estendeu à realidade atual.

A fantasia grotesca dessa decadência intelectual, deixada por Hitler, Mussolini e Stálin, idolatrados pela estupidez dos seus seguidores, revive no Brasil com o fanatismo de baixo QI por Bolsonaro e Lula….

Marjorie Salu

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Marjorie Salu

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