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DAS TRADUÇÕES

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

A esquisitice das traduções que a gente encontra quando vai ao dicionário, nos obriga a pensar o que o estrangeiro alcança no português falado no Brasil, que o professor Borto neologiza como “brasilês” e Noel Rosa canta: “o samba não tem tradução no idioma francês.

Do inglês temos “Naked” que vai do nu ao desprotegido; o nosso calote, no francês, é “Pouf”; o que os espano-falantes tratam “broma” como gozação, gracejo, piada, o nosso coloquial vê como estúpido, grosseiro; e, vinda do quimbundo, “bunda”, nádegas, nos chega como “bumbum” e “bunda mole” se refere a um conversador…

Tivemos discutindo outro dia sobre o francesismo “débroullard”, que chegou ao dicionário da Academia Francesa após acaloradas discussões, designando alguém com a capacidade de escapar de complicações.

Lembrei-me de leitura antiga, uma crônica do escritor ítalo-argentino Pitigrilli que deu a “débroullard” o significado de “inteligência prática”; e, no seu texto, conta uma anedota clerical que vale a pena publicar:

“Reunidos à noite num convento, antes de se recolher, um beneditino, um capuchinho, um dominicano e um jesuíta conversavam e foram surpreendidos por um apagão elétrico; então o capuchinho falou que não precisavam de luz para manterem a conversação.

“O beneditino concordou, e propôs que lembrassem Deus na Criação, quando falou: ‘Faça-se a luz”; a proposta levou o dominicano a declinar sobre a origem divina das causas e a materialidade das consequências.

O jesuíta estava ausente; e, de repente, antes de concluído o assunto, a luz se acendeu e o discípulo de Santo Inácio de Loyola voltou: fora à caixa de luz mudar os fusíveis. Era um ‘débroullard’”.

Embora eu tenha colocado aspas na historieta, não a reproduzi ipsis litteris; escrevi-a de memória, e de memória lembrei-me que temos ocupando o trono de São Pedro no Vaticano um jesuíta, o papa Francisco.

Considero-o corajoso nas suas iniciativas com a ousadia de enfrentar as dificuldades burocráticas da Igreja Católica Apostólica Romana e abrindo a janela para arejá-la para fortalece-la, arrebanhando os cristãos arredios.

Ele não vê mudanças apenas pela modernização administrativa dos conventos e das irmandades; faz uma reciclagem teológica do cristianismo, contra o machismo dominante, o moralismo hipócrita, a imposição da castidade, a renúncia ao casamento peço sacerdócio e a negação das mulheres em exercer o sacerdócio.

Suas orientações voltadas para atender os crentes que estão deixando as igrejas vazias são lições práticas para um clero conservador que olha pelo retrovisor conceitos ultrapassados.

Embora agnóstico e a-religioso, considero que o papa Francisco traz um sentido humano para a controversa e questionável ordem mística mantida num tempo em que o homem pisa em solo lunar, a astronomia busca vida no cosmos e as pessoas necessitam livrar-se de preconceitos para readquirir a fé em Deus.

Que seja um deus diferente da imagem e semelhança do homem, tipo greco-romano, de barbas e olhos tristes e precisando ser adorado continuamente.

O sábio Einstein, após afirmar que “a ciência sem a religião é manca, a religião sem a ciência é cega”, considera deus como a “Alma do Universo” como Spinoza defendia, “uma energia imaterial que subtrai ilusões e superstições”.

Seria ateísmo pensar assim? ou, ao contrário, será encontrar as partículas divinas universais em tudo, nos seres viventes e na matéria inanimada?

Aldous Huxley disse que “o medo da morte, e do que vem depois da morte, que leva os homens a voltar-se para a religião, à medida que os anos se acumulam”. Conheço muitos casos assim.

Então, estejam à vontade; mas que reflitam com o ecumenismo defendido pelo papa Francisco, aproximando-se ao que Buda ensinou: “As religiões são caminhos diferentes convergindo para o mesmo ponto. Que importância faz se seguimos por caminhos diferentes, desde que alcancemos o mesmo objetivo?”

Marjorie Salu

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