DO SAUDOSISMO

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MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

Chegou um tempo em que a chamada “grande mídia” não divulga, não investiga e ignora como e por quê irrompeu no cenário nacional o insano desejo dos magistrados e dos políticos pela volta ao passado sem Internet e sem as redes sociais.

Constata-se – não se pode esconder – que isto começou com o semideus do STF Olímpico, ministro Alexandre de Moraes, comentando que “antes da Internet a gente era feliz e não sabia”, frase divulgada pelos ‘especialistas’ da GNews, pouco afeitos a criticar o poder constituído.

Este pensamento do Máximo Defensor da Democracia condena explicitamente o direito de opinião, as críticas e as denúncias contra os governantes; e vem inoculado pelo vírus maligno do saudosismo contaminado pela ideologia pelega do lulopetismo.

Fui visitar o verbete “Saudosismo” que estava internado na UTI da Gramática, sem nem sequer ser lembrado pelos poetas simbolistas do século passado, militantes do Movimento Saudosista…

Nos alfarrábios encontramos Saudosismo, substantivo masculino de origem latina “Solitas”, solidão, retiro; originário de “Solus”, sozinho, significando a tendência pessoal de valorizar exageradamente coisas do passado. Em português a palavra define até o conluio de intrigantes ou interesseiros….

E é aí que mora o perigo. Por isto aconselho aos juristas, políticos e religiosos que antes de surfar na onda saudosista, leiam a Bíblia, onde encontrarão no Eclesiastes (7:10 NVT): “Não viva saudoso dos “bons e velhos tempos”; isso não é sábio”.

O Saudosismo criou vida na espetacular película de Woody Allen, “Meia Noite em Paris”, que aborda no cenário espaço-tempo da ficção os sonhos de uma volta ao passado. Já descrevi em outro artigo esta aventura vivida pelo roteirista americano Gil Pender (Owen Wilson) com Adriana (Rachel McAdams), estudante francesa de moda.

Deixando de lado as preliminares novelescas do filme, está no encontro casual dos dois personagens o sonho de uma volta ao passado, levando Gil Pender a viver a década dos anos 1920, convivendo com intelectuais idolatrados por ele, literatas, pintores e músicos.

No clima de realismo fantástico, Pender encontra os seus ídolos literários, Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e T.S. Eliot, e tem o rascunho do livro que está escrevendo analisado por Gertrude Stein. Assiste ao vivo um recital de Cole Porter ao lado de Pablo Picasso…

A jovem Adriana vive o fascínio da “Belle Époque” conseguiu a oportunidade de ir a 1890 e tomar champanhe no “Moulin Rouge” em companhia de Toulouse Lautrec. À mesa ela é apresentada a Gauguin e Degas, que a encantam, fazendo-a decidir a ficar naquela época. Decepcionado, Gil Pender volta à Paris e ao presente.

A Nostalgia cinematográfica é comparável à literária, conforme li na crônica “Alegria de viver” do escritor ítalo-argentino Pittigrilli, um comentário sobre a revolta de antigos gozadores de privilégios contra os direitos conquistados pelo proletariado. Do garçom, da manicure, motorista e servidores da Saúde e dos empregados domésticos, que exigem tratamento igual ao dos burgueses.

Desenvolvendo com maestria o tema do saudosismo, Pittigrilli fala do chanceler francês Talleyrand que disse: – “Quem não viveu antes de 1789 não sabe o que é ser feliz”; e comenta que antes da Revolução Francesa a vida era mesmo maravilhosa para quem ostentava título de nobreza e mesmo quem possuía um moinho, um forno e um trigal, tendo camponeses para plantar e moer o trigo para si “de graça”.

Lembra o cronista que ainda na França, os que perderam privilégios resmungaram “Não se sabe como éramos felizes antes de 1848!”; esta data registra a Comuna de Paris, implantada pela revolução que ficou conhecida como “Primavera dos Povos”, pois se espalhou pela Europa em nome da liberdade e dos direitos dos trabalhadores.

Que se lembre também que resquícios da nobreza europeia e burgueses ociosos se diziam saudosos dos tempos anteriores à Primeira Guerra (l914-1918) e da Revolução Russa; estágio que os fazia felizes num sistema que lhes permitia viver-se às custas do trabalho alheio…

Agora, no Brasil, sabiam que eram felizes os que gozavam a Liberdade de Expressão, fazendo críticas e denúncias pelas redes sociais contra os políticos corruptos e os mamateiros com boquinhas no alto escalão do Governo Lula. Foram penalizados por isto, sem culpa nem participação no entrevero dos egos de Alexandre Moraes e Elon Musck.

Somos 21,4 milhões de brasileiros privados da rede social “X”, pagando pelo crime de observarmos o cenário dantesco que o poder oferece, no clima descrito pelo Marquês do Lavradio: “Aqui, não há nada que não se venda, de cousas a almas, de gente a favores”.

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