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DOS VENENOS

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

Para falar de venenos dou uma volta ao passado, ir a Natal, Rio Grande do Norte, nos anos 1980, recordando uma conversa de que participei em torno de canecas de chopp; éramos cinco amigos e, não-sei-lá-porquê, falamos sobre venenos.

O assunto veio da triste lembrança sobre o nazismo, que promoveu o extermínio de eslavos, ciganos, homossexuais e judeus nas câmaras de gás de Auschwitz, onde foi usado Zyklon B, comprimido que dissolvido em água se transformava em gás letal.

Então o assunto chegou aos maiores venenos do mundo, sendo primeiramente citado o Sarin, veneno que deixa as vítimas cansadas e sem conseguir respirar; outro lembrou a Estricnina, um poderoso tóxico ainda usado na eutanásia de animais de estimação. Levantou-se também o Cianureto, ou Cianeto, o ácido que é fatal para humanos após 10 minutos de exposição.

Daí, um dos presentes, o psiquiatra Maurilton Morais, que me autorizou a citá-lo, nos apresentou a tese de que o pior veneno para o ser humano é psíquico; e deu exemplos, entre os quais o de uma moça, sua cliente, que se suicidou emocionada após ouvir a Sinfonia n.º 6 do extraordinário compositor russo Piotr Ilitch Tchaikovski.

E acrescentou o Médico que ele próprio se sensibiliza e se comove ao ouvir a Abertura 1812 do mesmo autor, a quem atribui o talento de provocar o auto envenenamento mental com a melodia.

Bem, não pretendo discutir a teoria musical e seus efeitos melódicos sobre a cabeça das pessoas, mas reportar jornalisticamente a tese de que o veneno é um fenômeno mental inoculado e ativado pela emoção.

Encontrei tempos após a conversa em Natal, um argumento a favor do tema do veneno psíquico. Um milenar conto árabe traz uma historieta investida da seriedade que as fábulas trazem para aconselhar e educar.

A narrativa é simples e direta. Descreve que “a Peste veio correndo no deserto e alcançou uma caravana que se dirigia para Bagdá. O chefe caravaneiro enfrentou-a perguntando-lhe o motivo de tanta pressa; e a Senhora dos Flagelos respondeu que estava chegando a hora de ceifar cinco mil vidas numa localidade adiante.

“Passados três dias e a caravana vindo de volta, ocorreu um novo encontro com a Peste e outra vez o chefe dos cameleiros dirigiu-se ousadamente para ela: – ‘Mentiste! Nós comprovamos, em vez de cinco mil vidas levaste 30 mil’. A Mãe das Epidemias foi pronta e veemente em responder: – ‘Nunca minto, senhor, na verdade recolhi apenas as cinco mil almas cumprindo a minha tarefa; as outras levou-as o Medo’.

Esta passagem registra a presença letal do Veneno-Medo, que pode intoxicar qualquer um, a mim e aos leitores dos meus textos. Não importa o sexo, a idade, a adoção filosófica ou credo religioso.

Atravessando os desertos orientais alcançamos a doutrina humanista do libertador da Índia, Mohandas Gandhi, que amedrontou os colonialistas ingleses com a arma da não-violência, deixando-nos a lição sobre os receios humanos: “o medo tem alguma utilidade, mas a covardia não”.

Como estímulo à sobrevivência humana, o medo é certamente um estímulo que nos protege de riscos naturais e acidentais; é um comportamento necessário à vida na Natureza; mas, quando se trata da sociedade, obrigando-nos às vezes a enfrentar o mal devemos usar contra este terrível inimigo o medo na sua função homeopática.

Se o veneno do medo dissolvido nas paixões mundanas ajudou a para libertar uma grande Nação como a Índia, poderá derrotar no Brasil os bandos criminosos seguidores de políticos corruptos e golpistas.

Estes delinquentes investem contra a livre expressão do pensamento adotando a censura e ameaçando acabar com as redes sociais que a Internet proporciona. O medo de perderem o poder fazem-nos extremistas.

Contra eles eu gostaria que mil sapinhos amazônicos Phyllobates terribilis, capazes de matar até dez adultos com uma pequena dose do seu veneno (o mais mortífero do mundo), se manifestem saltando diante dos três poderes da República assustando os inimigos da Liberdade.

Marjorie Salu

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